INTRODUÇÃO
Sabemos que algumas
opções de investimento nas quais os RPPS podem aplicar seus recursos estão
sujeitas as variações no valor de suas cotas em decorrência das condições do
mercado financeiro, como é o caso das ações e títulos públicos.
Tenho acompanhado algumas
discussões sobre o assunto em fóruns e recebido, recentemente, diversas
consultas quanto à forma correta de registrar essas variações positivas ou
negativas das carteiras investimentos dos RPPS.
Neste artigo
abordaremos quais os conceitos orçamentários e contábeis da receita e da
despesa, bem como alguns princípios fundamentais de contabilidade na tentativa
de formular um parecer quanto ao procedimento correto de registro contábil e
orçamentário dessas variações. Importante antes destacar que o assunto em tela
é controverso visto que há posicionamentos recentes de diferentes Tribunais de
Contas Estaduais (TCE´s) que divergem parcialmente entre si, principalmente no
que tange o aspecto orçamentário da coisa.
Com o desenvolvimento
deste artigo pretendemos responder, pelo menos, as seguintes questões:
a)
Quando devemos registrar as variações positivas ou negativas contabilmente
e orçamentariamente?
b)
Como devem ser contabilizadas as variações positivas ou negativas dessa da
carteira de investimentos do RPPS?
c)
Com qual periodicidade deve-se proceder a contabilização da posição das
carteiras de investimento dos RPPS?
CONCEITOS
E EMBASAMENTO LEGAL APLICÁVEL
A
Lei nº 9.717/98 prescreve em seu artigo 1º que a organização do RPPS deverá ser
baseada em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu
equilíbrio financeiro e atuarial, delegando ao Ministério da Previdência Social
(MPS) a competência regulamentar para estabelecer tais normas (art. 9º).
Nesse
sentido, o MPS publicou a Portaria nº 916/2003, alterada pela Portaria nº
95/2007, que aprova o plano de contas, os demonstrativos contábeis e as normas
de procedimentos contábeis aplicáveis aos RPPS, estabelecendo, em seu anexo IV,
que:
“Os registros
contábeis das operações envolvendo os recursos dos Regimes Próprios de
Previdência Social e as demonstrações contábeis por eles geradas serão
elaborados em observância à Lei n.º 4.320/1964, a Lei n.º 9.717/1998, a Lei n.º
101/2000, as portarias e instruções normativas da Secretaria do Tesouro
Nacional, em especial, os manuais técnicos de contabilidade aplicados ao setor
público, a Resolução CMN n.º 3506/2007, os princípios fundamentais de
contabilidade, as normas brasileiras de contabilidade e as normas do
ministério da previdência social aplicadas aos regimes próprios.”
No
que tange especificamente às variações sofridas pelos investimentos realizados
pelo RPPS, a referida normativa prescreveu que a carteira de investimento
mantida deverá refletir o respectivo valor de mercado, tendo em vista os
princípios contábeis da oportunidade e da competência.
Temos as seguintes
definições para os princípios da Oportunidade e o da Competência no MCASP
(Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público) da STN (Secretaria do
Tesouro Nacional) em sua Parte II - Procedimentos Contábeis Patrimoniais:
Quanto ao Princípio da Oportunidade:
“Art. 6° - O
Princípio da Oportunidade refere-se ao processo de mensuração e apresentação
dos componentes patrimoniais para produzir informações íntegras e tempestivas.
Parágrafo único. A
falta de integridade e tempestividade na produção e na divulgação da informação
contábil pode ocasionar a perda de sua relevância, por isso é necessário
ponderar a relação entre a oportunidade e a confiabilidade da informação.”
(Resolução CFC nº 1.282/2010)
Para o setor público, o princípio da
oportunidade é base indispensável à integridade e à fidedignidade dos registros
contábeis dos atos e dos fatos que afetam ou possam afetar o patrimônio da
entidade pública, observadas as Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas
ao Setor Público. A integridade e a fidedignidade dizem respeito à necessidade
de as variações serem reconhecidas na sua totalidade, independentemente do
cumprimento das formalidades legais para sua ocorrência, visando ao completo
atendimento da essência sobre a forma (Apêndice II à Resolução CFC nº
750/1993).
É importante destacar que, para
atender ao princípio da oportunidade, a contabilidade não pode se restringir ao registro dos fatos decorrentes da execução
orçamentária, devendo registrar tempestivamente todos os fatos que promovam
alteração no patrimônio. Essa situação é verificada em fatos que não decorrem
de previsão e execução do orçamento, como, por exemplo, um incêndio ou outra
catástrofe qualquer.
Já quanto ao Princípio
da Competência:
“Art. 9º O Princípio
da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam
reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou
pagamento.
Parágrafo único. O
Princípio da Competência pressupõe a simultaneidade da confrontação de receitas
e de despesas correlatas.“ (Resolução CFC nº 1.282/2010)
O princípio da competência é aquele que reconhece as transações e os eventos nos períodos
a que se referem, independentemente do seu pagamento ou recebimento,
aplicando-se integralmente ao Setor Público.
Os fatos que afetam o patrimônio público
devem ser contabilizados por competência, e os seus efeitos devem ser
evidenciados nas demonstrações contábeis do exercício financeiro com o qual se
relacionam, complementarmente ao registro orçamentário das receitas e das
despesas públicas. (Resolução CFC nº 1.111/07).
Além dos princípios de contabilidade, a
contabilidade aplicada ao setor público deve seguir o disposto nas normas de
Direito Financeiro, em especial na Lei nº 4.320/64, que instituiu um regime
orçamentário misto no seu Art. 35, conforme abaixo:
“Art. 35. Pertencem
ao exercício financeiro:
I – a s receitas nele
arrecadadas;
II – as despesas nele
legalmente empenhadas.”
Ao mesmo tempo, no art. 89, a referida lei
estabelece que:
“Art. 89. A
contabilidade evidenciará os fatos ligados à administração orçamentária,
financeira, patrimonial e industrial.”
Portanto, observa-se que, além do registro
dos fatos ligados à execução orçamentária, exige-se a evidenciação dos fatos
ligados à execução financeira e patrimonial, de maneira que os fatos
modificativos sejam levados à conta de resultado e que as informações contábeis
permitam o conhecimento da composição patrimonial e dos resultados econômicos e
financeiros de determinado exercício.
Em resumo, segundo o MCASP, o princípio da
contábil da competência estabelece que as receitas e despesas deverão ser
incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem,
independentemente do recebimento ou pagamento, e o princípio da oportunidade
dispõe que os registros no patrimônio e das suas mutações devem ocorrer de
imediato e com a extensão correta, independentemente das causas que as
originaram.
Importante então
que entendamos esses diferentes os conceitos de receitas e despesas sob o
enfoque patrimonial e o orçamentário para que possamos então distinguir cada
uma delas e darmos sequencia em nossa análise.
Segundo o MCASP em
sua Parte I PCO - Procedimentos Contábeis Orçamentários - as RECEITAS “são disponibilidades
de recursos financeiros que ingressam durante o exercício orçamentário e
constituem elemento novo para o patrimônio público. Instrumento por meio do qual
se viabiliza a execução das políticas públicas, as receitas orçamentárias são
fontes de recursos utilizadas pelo Estado em programas e ações cuja finalidade
precípua é atender às necessidades públicas e demandas da sociedade.”
Notem que por definição da própria STN
as Receitas são disponibilidades de
recursos financeiros que ingressam durante o exercício orçamentário. A STN
reforça ainda tal conceito dizendo que “Essas receitas pertencem ao Estado,
transitam pelo patrimônio do Poder Público, aumentam-lhe o saldo financeiro, e,
via de regra, por força do princípio orçamentário da universalidade, estão
previstas na Lei Orçamentária Anual – LOA.”
Lima
e Guimarães, na obra Contabilidade Aplicada aos Regimes Próprios de Previdência
Social, dizem o seguinte com relação a contabilização da receita relativa aos
ganhos nos investimentos do RPPS:
“Assim, os ajustes
relativos a ganhos e perdas nas aplicações em poupança, nos fundos de
investimentos e nos títulos públicos serão contabilizados diretamente como
receita ou retificadora da receita orçamentária, respectivamente, no momento da
ocorrência do fato gerador.”
Ainda no MCASP
Parte I PCO, encontramos a seguinte definição quanto a DESPESA “A despesa pública é o
conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para o funcionamento e
manutenção dos serviços públicos prestados à sociedade. Os dispêndios, assim
como os ingressos, são tipificados em orçamentários e extra-orçamentários.”
Dessa forma, despesa orçamentária é toda transação que depende de autorização
legislativa, na forma de consignação de dotação orçamentária, para ser
efetivada.
Nesse
sentido, ganha destaque o procedimento contábil defendido por Lima e Guimarães,
na obra Contabilidade Aplicada aos Regimes Próprios de Previdência Social:
“Na prática, a compra
de um título público pelo RPPS não precisa ter autorização legislativa, nem ser
tratada como despesa pública (cumprindo os estágios de empenho, liquidação e
pagamento). O mesmo raciocínio é aplicado aos fundos de investimentos
imobiliários. O efeito da compra é apenas financeiro, debitando-se o respectivo
ativo e creditando-se o disponível, pela saída dos recursos.”
Segundo o MCASP Parte II PCP
(Procedimentos Contábeis Patrimoniais) da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) sob
a ótica patrimonial “receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o
período contábil sob a forma de entrada de recursos ou aumento de ativos ou
diminuição de passivos, que resultem em aumento do patrimônio líquido e que não
sejam provenientes de aporte dos proprietários da entidade e as despesas são
decréscimos nos benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de
saída de recursos ou redução de ativos ou incremento em passivos, que resultem
em decréscimo do patrimônio líquido e que não sejam provenientes de
distribuição aos proprietários da entidade.”
“O atendimento do enfoque patrimonial
da contabilidade compreende o registro e a evidenciação da composição
patrimonial do ente público (arts. 85, 89, 100 e 104 da lei nº 4.320/1964).
Nesse aspecto, devem ser atendidos os princípios e normas contábeis voltados
para o reconhecimento, mensuração e evidenciação dos ativos e passivos e de
suas variações patrimoniais, contribuindo para o processo de convergência às
normas internacionais, respeitada a base legal nacional. A compreensão da
lógica dos registros patrimoniais é determinante para o entendimento da
formação, composição e evolução desse patrimônio.”
Assim, segundo os princípios contábeis, a
variação patrimonial aumentativa deve ser registrada no momento da ocorrência
do seu fato gerador, independentemente de recebimento, e, analogamente, a
variação patrimonial diminutiva deve ser registrada no momento da ocorrência do
seu fato gerador, independentemente do pagamento e da execução orçamentária.
Portanto o reconhecimento da variação
patrimonial pode ocorrer em três momentos: para a variação patrimonial
aumentativa, antes, depois ou no momento da arrecadação da receita orçamentária
e para a variação patrimonial diminutiva, antes, depois ou no momento da liquidação
da despesa orçamentária.
Diante
disso, a valorização dos investimentos em títulos ou valores mobiliários, a
exemplo dos títulos públicos federais, ou das cotas de fundos de investimento
cujas carteiras estejam representadas pelos referidos títulos ou valores
mobiliários, não possui natureza de receita orçamentária, visto que não houve
sua efetiva arrecadação, devendo ser contabilizado como variação ativa
independente da execução orçamentária, decorrente de acréscimos patrimoniais.
É
importante, no entanto, que se verifique sempre a ocorrência do fato gerador,
pois esta regra não se aplica em todos os casos visto que alguns títulos ou
valores mobiliários remuneram o capital investido mediante o pagamento periódico
de juros e outros rendimentos situação na qual o procedimento contábil a ser
adotado é outro.
Como
vimos no decorrer desta obra, os investimentos em títulos ou valores
mobiliários não estão sujeitos a autorização legislativa e, portanto, não
configuram-se como despesa orçamentária. Logo suas desvalorizações devem ser
registradas apenas contabilmente como variação patrimonial diminutiva que
poderá ocorrer por meio da constituição de provisão para perdas de
investimentos, diminuindo o resultado do exercício em contrapartida à uma conta
retificadora do ativo, com a finalidade de suportar eventuais desvalorizações
de aplicações ou investimentos malsucedidos, respaldada no princípio contábil
da prudência.
Se
for consumada a perda, a provisão será utilizada, reduzindo o saldo da
respectiva conta de investimentos. Caso contrário, no encerramento do
exercício, efetua-se a reversão dos valores não utilizados como variação ativa,
o que afetará positivamente o resultado do exercício.
CONCLUSÃO
Com base nas considerações
expostas acima tentaremos então responder as questões suscitadas no início
deste artigo:
a) Quando devemos registrar as variações positivas ou
negativas contabilmente e orçamentariamente?
Cada qual no momento do seu fato gerador, sendo que:
Contabilmente para refletir
o respectivo valor de mercado ao final de cada mês, no mínimo, mediante a
utilização de parâmetros reconhecidos pelo mercado financeiro, e na data de
resgate da aplicação, pelo valor da operação e Orçamentariamente a arrecadação
da receita referente aos juros e rendimentos financeiros decorrentes dos
investimentos em títulos ou valores mobiliários na data de sua arrecadação.
Antes disso, e desde que tenha ocorrido o fato gerador da referida receita, o
respectivo crédito deve ser contabilizado como direito a receber, em conta do
sistema patrimonial.
b) Como devem ser contabilizadas as variações positivas ou
negativas dessa da carteira de investimentos do RPPS?
As variações positivas devem ser
contabilizadas como variação patrimonial aumentativa independente da execução
orçamentária, acarretando acréscimo patrimonial, e as variações negativas devem
ser contabilizadas como variação patrimonial diminutiva independente da
execução orçamentária, configurando decréscimo patrimonial, devendo a Entidade,
na possibilidade de prever essas possíveis perdas, constituir provisão com a
finalidade de suportá-las, respaldado no princípio contábil da prudência.
c)
Com qual
periodicidade deve-se proceder a contabilização da posição das carteiras de
investimento dos RPPS?
As variações ocorridas devem ser
registradas contabilmente pelo ente ao final de cada mês, no mínimo, mediante a
utilização de parâmetros reconhecidos pelo mercado financeiro, e na data de
resgate da aplicação, pelo valor da operação, dando cumprimento assim aos
princípios contábeis da oportunidade e da competência. Orçamentariamente apenas
no momento da efetiva arrecadação da receita, momento no qual há o ingresso do
recurso financeiro nos cofres públicos.