Gestão de Custos na Saúde Pública

De maneira geral as entidades públicas ou privadas possuem uma mesma visão econômica no sentido de ambas serem prestadoras de serviços e por isso podemos denominá-las entidades transformadoras de recursos, sejam eles: físicos, humanos ou tecnológicos, em serviços que são entregues a população. Porém financeiramente a relação não segue a lógica de mercado, pois o Estado, diferentemente da iniciativa privada, presta seus serviços a população em geral independente de pagamento, ou seja, qualquer cidadão tem direito assegurado pela Constituição Federal a serviços básicos prestados pelo Estado, como saúde, por exemplo, mesmo que não tenha contribuído financeiramente, através do pagamento de impostos, e esta análise por si só nos levaria a uma ampla discussão sobre a sistemática de manutenção do serviço público.

Pelo fato de nem todo cidadão ter sua parcela de contribuição para com o Estado, os recursos tornam-se escassos e os gastos altos, isso é claro, sem entrar no mérito da qualidade do gasto público, levando o Estado a um quadro financeiro deficitário. Diante da “impossibilidade” do aumento da carga tributária, pela pressão das empresas e população em geral, para o aumento dos recursos e o equilíbrio das contas públicas o Estado tem se visto obrigado e voltar suas ações no sentido do corte dos gastos, muito embora isto nem sempre seja feito de maneira adequada, pois em alguns órgãos corte de gastos significa deixar de realizar investimentos e outros gastos que futuramente evidenciam a ineficiência de sua realização, como, por exemplo, os relacionados a manutenções corretivas ou preventivas.

A maioria dos gestores públicos não vêem, ainda, a redução dos gastos de maneira inteligente como deveriam, através da aplicação de ferramentas de gestão de custos que possibilita a eficiência nos gastos e na utilização dos recursos.

A preocupação com a apuração de custos na Administração Pública surgiu em 1964, com a lei nr. 4.320 e posteriormente com o Decreto-Lei nr. 200 de 1967 e depois na década de 80 com o Decreto nr. 93.872 e a Constituição Federal de 1988 com a previsão de dispositivos legais que apontavam a obrigatoriedade de se apurar custos na administração pública e evidenciar os resultados de sua gestão.               Essa preocupação se intensificou com a crise fiscal nos anos 80 e com a maior exposição da economia brasileira ao mercado internacional, onde o Estado foi obrigado a reformular suas políticas econômicas e, em particular, a conter suas despesas. Isso se deu em função da impossibilidade de aumentar a carga tributária, especialmente a tributação direta. Desde então a palavra de ordem passou a ser cortar gastos.

Por muito tempo, a humanidade atrelou a palavra saúde ao significado de algo que não tem preço e foi assim até algumas décadas atrás quando os procedimentos médicos eram em sua grande parte manuais e as ferramentas necessárias cabiam dentro de uma maleta. Os avanços recentes da medicina, com a presença cada vez maior da tecnologia e da automatização, trouxeram mais esperanças e qualidade de vida aos seres humanos, além do aumento na expectativa de vida e da cura para doenças que até então assombravam o mundo. Porém os mesmos avanços que garantem essas considerações, trazem consigo um aumento proporcional nos custos dos produtos e serviços médicos-hospitalares.

Conforme reportagem da revista Exame “Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clube dos ricos, os investimentos em saúde triplicaram desde a década de 60”.

A saúde no Brasil é um tema muito delicado. Como já mencionado, a Constituição Federal assegura, a todo cidadão, garantia de acesso a saúde, no entanto na prática a maioria da população tem acesso, depois de muita espera, a um serviço precário. Conforme dados apresentados na reportagem da revista Exame “A situação tende a piorar – e muito – com as mudanças demográficas. A projeção é que a proporção de pessoas com mais de 60 anos passe dos atuais 10% para 30% da população até 2050”. A preocupação fica evidente mais adiante quando ainda na reportagem é citado o fato de que os gastos com idosos equivalem a seis vezes o gastos com crianças no Brasil.

O fato das entidades públicas de saúde não terem fins lucrativos não quer dizer que essas não necessitem de resultados positivos, pois este superávit além de demonstrar a eficiência na gestão destas entidades também possibilita a realização de novos investimentos visando, sempre, a melhora dos serviços ofertados à população.

Mais uma vez nos vemos obrigados a recapitular o drama vivido pela administração pública no atendimento a população, através dos serviços públicos, principalmente na área da saúde onde a demanda é gigantesca e os procedimentos muito caros e nos leva a batermos mais uma vez na tecla da necessidade da eficiência nos gastos públicos e na utilização dos recursos que ficam cada vez mais escassos.
               
Podemos observar que as instituições de saúde no Brasil, principalmente as públicas, estão distantes da modernização dos procedimentos gerenciais e ainda utilizam métodos contábeis tradicionais que não evidenciam de maneira gerencial os custos, não gerando assim informações necessárias para a tomada de decisões dos gestores.

Conforme ressaltado no Manual Técnico de Custos do Programa Nacional de Gestão de Custos do Ministério da Saúde “A apuração e o controle de custos em saúde, primeiramente, servem de instrumentos eficazes de gestão e acompanhamento dos serviços; em segunda instância, permitem a implantação de medidas corretivas que visem ao melhor desempenho das unidades, com base na redefinição das prioridades, no aumento da produtividade e na racionalização do uso de recursos, entre outras medidas administrativas.”

A gestão de custos na área da saúde constitui-se, portanto, em importante ferramenta para redução dos gastos e maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis através do cálculo dos custos dos serviços prestados; despertando a co-responsabilidade de maneira que todos exerçam uma efetiva gestão dos custos; subsidiar a tomada de decisões com informações orçamentárias e de investimentos; troca de informações e comparação de resultado com outras instituições; identificar atividades ou serviços ineficientes e realizar prestação de contas visando maior transparência e controle social.

A mudança de paradigma na Contabilidade Pública

A contabilidade é uma ciência social aplicada que tem como principal objeto de estudo o patrimônio e se vale de métodos quantitativos (matemática e estatística) para o registro dos fatos e atos econômicos e financeiros que afetam ou possam vir a afetar a situação patrimonial das entidades onde é aplicada.

Porém a contabilidade pública, que é regulada pela Lei 4.320/1964 conhecida como Lei das Finanças Públicas, sempre teve um foco maior no controle do orçamento e das finanças, ou seja, de que forma foi arrecadado o dinheiro e como ele foi aplicado. Portanto, seu escopo relaciona-se ao controle e gestão dos recursos públicos. Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (Lei Complementar 101/2000), a contabilidade pública alçou uma maior importância e valorização.

Agora vivemos um novo marco histórico na Contabilidade Pública Brasileira com a aprovação das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP), pois o foco principal passa a ser o patrimônio que é verdadeiramente o objeto de estudo da ciência contábil. Com isso o Orçamento deixa de ser o principal e único input da contabilidade e os fatos e atos administrativos passarão a ser registrados não em decorrência da execução do orçamento, mas sim em reconhecimento as alterações da situação patrimonial das entidades, sejam elas imediatas ou futuras, efetivas ou possíveis.

Tal mudança deve-se principalmente pela adoção integral dos princípios contábeis, principalmente pelos de competência e o da oportunidade, na contabilidade aplicada ao setor público, que até então era feita pelo regime misto onde as receitas eram contabilizadas por regime de caixa e as despesas pelo regime de competência.

Etapas da receita, antes ignoradas pela contabilidade, como o lançamento do crédito tributário, momento em que nasce o direito de receber do governo, passarão a ser registrados no ativo no momento de seu lançamento, bem como deverão ser reconhecidas, nos passivos das entidades mensalmente, as provisões para pagamento de férias e 13º salários. Com relação ao patrimônio público, antes apenas registrado pelo seu custo histórico, destacamos a necessidade de serem realizadas as depreciações, amortizações e exaustões, conforme o caso, e serem regularmente avaliados e ajustados com base no atendimento do princípio contábil do registro pelo valor original.

Acima foram colocados apenas alguns exemplos de vários outros fatos e atos que deverão ser reconhecidos pela contabilidade aplicada ao setor público, aliás, como já colocado, pela adoção integral do regime de competência e da oportunidade, estes deverão ser registrados independentemente da execução do orçamento.

Precisamos aqui reconhecer a facilidade de identificar os impactos fiscais e controle dos recursos disponíveis pela contabilidade pelo regime de caixa, porém este sistema é insuficiente para evidenciar de forma imediata e, mais insuficiente ainda, a situação de médio e longo prazo das responsabilidades governamentais. Ao contrário do regime de caixa o regime contábil por competência procura evidenciar uma situação patrimonial integral, através da previsão de todos os direitos e obrigações do governo. Também contribui para uma melhor gestão do fluxo de caixa por permitir o conhecimento de todos os ativos geradores de caixa e do universo das obrigações que pesam sobre esse mesmo caixa.

Com isso demonstramos a real situação patrimonial das Entidades e dos Municípios, onde são evidenciados direitos e responsabilidade que vão além do ciclo atual da gestão, permitindo inclusive um maior controle social e também que os novos gestores tenham conhecimento dos ativos e passivos em sua plenitude.

A convergência às Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público


A globalização da economia, a disseminação de empresas multinacionais, bem como as alternativas de investimentos em países emergentes são tidos como fatores presentes na economia que tornam cada vez mais necessário o estabelecimento e adoção de padrões internacionais para os procedimentos e demonstrações contábeis, pois mesmo a contabilidade utilizando métodos quantitativos (matemática e estatística) ela é uma ciência social aplicada e sofre grande influência do ambiente em que atua, sejam por fatores políticos, econômicos, culturais, históricos, entre outros.

A padronização dos princípios, normas e procedimentos contábeis tem o principal objetivo de garantir a uniformidade e comparabilidade das demonstrações contábeis, contribuindo inclusive para redução de custos no processo de consolidação das demonstrações e na conversão de práticas contábeis entre países.

O órgão responsável pela edição das IFRS (Normas Internacionais de Contabilidade) na área privada é o IASB (International Accounting Standards Board) e no âmbito do setor público é o IFAC (International Federation of Accountants) que baseado nos padrões da contabilidade aplicada ao setor privado, elabora as IPSAS (Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público). O cenário atual demonstra que o mundo inteiro tem adotado os padrões contábeis do IFAC que conta com aproximadamente 125 países credenciados.

Cada país interessado pode optar pela adoção integral dessas normas ou podem adotar um processo de convergência para elas, essa última opção foi a escolhida pelos órgãos responsáveis pela contabilidade brasileira. Assim no Brasil o CFC (Conselho Federal de Contabilidade) na qualidade de membro do IFAC institui grupos de estudo com a finalidade de propor as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) alinhadas as IPSAS e a interpretação dessas normas para o setor público a cargo da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) que elabora e publica os manuais de contabilidade aplicada ao setor público para cumprimento do objetivo da padronização dos procedimentos.

As NBCASP dispõem sobre uma contabilidade patrimonial integral, pois requer a aplicação de todos os princípios contábeis, destacamos como principal mudança a obrigação do registro de todos os atos e fatos que alteram ou possam vir a alterar a situação patrimonial das entidades, independentemente da execução orçamentária, respeitando os princípios da oportunidade e competência, bem como a obrigação do reconhecimento dos componentes patrimoniais pelo princípio do registro pelo valor original.

Assim, a título de exemplo e sem prejuízo aos demais direitos e obrigações que deverão ser reconhecidos, destacamos que as receitas passarão a ser registradas na contabilidade em todas as suas fases, haja vista que antes só registrávamos na contabilidade a receita pelo regime de caixa, as obrigações como provisão para férias e 13º salário deverão ser registradas no Balanço Patrimonial e os bens patrimoniais deverão ser regularmente avaliados de maneira que seu valor registrado não difira significativamente do valor original.

Busca-se com essas alterações que os Balanços Patrimoniais representem, de maneira fiel, a situação financeira e econômica dos Municípios inclusive suas mutações, demonstração esta que, até então, evidenciava uma situação distorcida da realidade, pois não compreendia o registro contábil de todos os direitos e obrigações das entidades.

Podemos ainda destacar a relevância e papel de destaque trazido, em virtude da convergência às normas internacionais, a profissão contábil tida antes como necessária apenas para registrar fatos já ocorridos o qual, entendemos agora, deverá adotar uma atitude pró-ativa com vistas a estar atento, participar e receber informações de qualidade de todos setores da administração a fim de evidenciar, não só os fatos ocorridos, mas também os que possam vir a afetar a situação patrimonial.